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Repouso da Alma

Quero que nos olhemos nos olhos e que sua alma tome banho na minha, como quem toma banho de cachoeira, mergulha e não tira a água do cabelo, mas deixa ela se escorrer pela pele com afeto. Quero sentir nossos suspiros brandos com a cabeça encostada no peito uma da outra quando o dia pesar nas pálpebras. Quero pintar nosso quarto de diferentes cores 36 vezes, e mudar os móveis de lugar outras 42. Quero podar nossas plantas e às vezes não, deixá-as crescer naturalmente, sem aperreio, com seus verdes e borboletas. Quero receber seu aconchego ao chegar à porta, com mochila nas costas e pés cansados, sorrindo amor. Quero me apaixonar por você dia sim outro também.
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Hora de Dormir

O mais difícil, na verdade, é dormir consigo mesma todos os dias. Era insuportável isso de pensar. Ainda estava drogada, mesmo depois de tanto tempo. No começo o efeito é bom, mas tem momentos em que ela faz tudo doer. Faz a gente se doer, como Macabéa. E pra droga não tem remédio, cê sabe. Nem aspirina. Ela se sentiu linda de manhã. De tarde recebeu elogio do rapaz da rua. (História engraçada. Ele ia lhe pedir dinheiro no sinal, viu a mochila no banco do passageiro e falou sem graça: eu não vou te pedir dinheiro não, acho que você não vai ter pra me dar, que é estudante. Mas eu vim mesmo foi pra falar que esse cabelo é lindo. - sorriram, ela e depois ele - e continuou dizendo que tava mais lindo agora porque tinha o sorriso pra combinar. Se perdeu gaguejando outros elogios, deu um passo pra trás, olhou e disse levantando as mãos em pose de cineasta: queria ter uma câmera bem aqui  - com aquele delicioso sotaque nordestino. A moça agradeceu e seguiu sorrindo.) De noite chorou no

Discursos Enlatados

Antes que a gente descubra que é gente, na nossa casa já existe uma prateleira, guardada num lugar longe dos olhos curiosos, mas ao mesmo tempo um lugar prático, sempre ao alcance das mãos - porque hoje somos feitos de pressa e desejo. Assim como a gente aprende a chamar as coisas pelos nomes que lhes foram dados, ou aprende a comer com garfo e faca, ou a ler as horas toda vez que estivermos com pressa, aprendemos também, com a mesma automaticidade, a visitar a prateleira quando acreditamos ser preciso. Acontece em segundo (fomos muito bem treinados). Sempre que uma conversa começa, você se posiciona em frente a inúmeras latas, empilhadas na perfeita lógica, feita especialmente para que você gaste o menor tempo possível esticando o braço para alcançar a que lhe será útil no momento apropriado. São empilhadas com tamanha inteligência que, ao passo que você cresce, novas latas vão sendo reveladas ao longo da prateleira: depois da lata "Chorar Quando Estiver Com Fome" e da l

Vamos estudar ética?

E, em 2045, num museu: Esta é uma foto tirada de um programa de TV, uma novela, há aproximadamente 30 anos atrás. Vocês, crianças, já devem ter aprendido isso nas aulas de história, mas esta aqui é a razão da silenciosa terceira guerra mundial, que começou no Brasil e foi estabelecida em um site de relacionamentos, que seus pais devem conhecer, chamado Facebook. De um lado os conservadores, lutando em favor da família e seus valores morais, do outro, jovens com mentes revolucionárias que acreditavam na igualdade de direitos entre todo e qualquer ser humano, o que podemos chamar de ética. Os conservadores, embebidos de um carácter incorruptível, imaculados e vivendo suas vidas em busca da perfeição sobre-humana, diziam que uma cena assim não poderia ser exibida em programações abertas da televisão, já que seria absurdamente influenciável às crianças, como vocês, corrompendo suas mentes puras para um ato de tal barbárie, que hoje entendemos como uma demonstração de afeto simples entr

Poema Vertical - Forró de Perder

Só de pensar no meu amor nos braços de outro forró nas rimas de outra canção... Eu sou de quem sou Eu sou de quem Seu Mas o meu amor não é tão só meu Não tá mais tão meu não é mais pra eu Nem posso pedir Não mais "por favor". Só de pensar no meu amor o meu bem querer em outro sabor em outro calor por entre outras mãos cheirando outro alguém... Parece que sei que sabe que sou de um jeito tão tua que a mãe praguejou, que o galo cantou A ficha caiu. O céu desabou, me fugiu o chão, caí em fadiga, me faltou a voz Parece que Desce Que foi Que padece Carece de tempo Se mexe que é dor. Parece que chuva Imita um trovão Deságua a menina Enfim aceitou. Se acalma menina pare de chover aceita essa ideia louca de não ter. Eu sei que é difícil mas logo esse leite que derrama dô vai ser tudo em vão Que logo o amor vai achar outro peito e deitar bem direito e se esquecer de tu Acorda menina sacode essa água esconde a tristeza

Cantiga do Desencanto

O meu encanto não te encanta mais Nem o meu canto, ele só desfaz O todo apreço que eu tentei criar Que é de prosa e eu não soube dar Parece que criou um desapego Desses que cria um buraco no chão E não há ponte que desmanche agora Esse vazio do desencantar Errei bem tanto que me calejou Me deu feiura que num vi passar Agora vejo que o meu tropeço De todo dia adia em acabar Num adianta que eu queira tentar Se tudo esbarra e sempre faz chorar Não sei mais se dá pra viver sem dor Ou se é de praxe e vou me acostumar

Desvaziar

Meus destalentos me pegam de tropeço por vezes. Não vou negar que tenha lá minhas habilidades. Sei fazer uma janta, tirar um barulhinho do violão, até essas coisas artesanais não são tanto um bicho de sete cabeças, mas dançar... Tenho uns tantos desafetos. Verdade que afetos tenho muitos, e eles estão espalhados por esse país nada pequeno. Deles eu faço pequenos lares, e cada afeto carrega um pedacinho do que sou eu (e às vezes me pergunto se sobrou eu pra mim), mas outras pessoas me fazem entortar o nariz, confesso. São umas ideologias tortas, são algumas vidas vazias, em muitos uma síndrome de zumbi (que até me mordeu, bitch!) e uns orgulhos dos grandes. Em mim existem dessabores, daqueles de fazer careta. Mas sempre tem aquele doce suave que com o cítrico faz um céu na boca de fofura. Só são mesmo dessabores mesmo quando mistura doce com sal, ou é muito qualquer coisa. Quando azeda, arde o nariz, pinica, coça, corrói. Quando palpita, repete, insiste, cutuca. Quando passa bem d